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Henrique Vieira Filho é jornalista, escritor, terapeuta, sociólogo, artista plástico, agente cultural, diretor de arte, produtor audiovisual, educador físico, professor de artes visuais, pós-graduado em psicanálise e perícia técnica de obras de arte.
Faz alguns anos, escrevi a ficção surrealista em que a cidade de São Paulo era uma cliente que atendi em consultório psicanalítico.
Eis que, novamente às vésperas de aniversariar, eis que nossa quatrocentona volta para mais uma sessão.
Cena: Consultório, segunda sessão da terapia.
A cidade de São Paulo, representada em sua forma majestosa e caótica, entra novamente no consultório. Ela parece agitada, mas traz consigo um ar de curiosidade, como se tivesse pensado muito desde o último encontro.
Psicanalista: Bem-vinda de volta, São Paulo. Como você está hoje?
São Paulo: Suspira profundamente. Ah, Henrique, eu queria dizer que saí da última sessão me sentindo mais leve, mas a verdade é que foi só colocar o pé na rua que as coisas voltaram a me engolir. Você já tentou andar na Paulista às seis da tarde? Acho que nunca vou desacelerar, nem por um segundo!
Psicanalista: Parece que você tem dificuldade em se permitir pausar, mesmo quando sabe que precisa disso. Já pensou por que tem tanto medo de parar?
São Paulo: Medo? Não é medo, doutor. É necessidade. Eu sou uma máquina! Se eu paro, tudo para comigo. Minha alma é feita de engrenagens que não podem enferrujar.
Psicanalista: E de onde vem essa ideia de que você precisa ser uma máquina?
São Paulo: Ri, meio nervosa. Desde sempre, acho. Lá nos meus primeiros anos, já tinha gente dizendo que eu precisava crescer, expandir. Me transformei no que esperavam de mim. Cresci até os céus, mas olha só... meus pés nem tocam mais o chão direito. A poluição, os congestionamentos... Isso tudo é um reflexo do meu tamanho descontrolado.
Psicanalista: Então você se sente desconectada de si mesma, como se tivesse perdido a base?
São Paulo: Sim, exatamente. Sabe, às vezes eu sonho que sou menor, mais tranquila, como aquelas cidades do interior que vivem no ritmo das igrejas e das praças, tipo… Serra Negra. Mas, aí acordo e vejo meus prédios, meus viadutos, e lembro que nunca vou ser como elas.
Psicanalista: Mas será que não pode haver um meio-termo? Uma São Paulo que seja grande, mas que encontre momentos de serenidade dentro de si mesma?
São Paulo: Olha para o lado, pensativa. Talvez... Mas como? Meu trânsito não para, minha pressa não para, minha gente não para. Eu sou feita deles, e eles são feitos de mim.
Psicanalista: Talvez o segredo esteja em acolher essa dualidade. Você pode ser a cidade que não pára, mas também pode criar espaços onde as pessoas e você mesma possam respirar.
São Paulo: Sorri de leve. Acho que entendi, Henrique. Preciso achar meus próprios "parques". Lugares onde posso descansar sem deixar de ser eu.
Psicanalista: Isso mesmo. Vamos explorar juntos como você pode criar esses espaços na sua vida.
São Paulo: Levanta-se e ajeita o colar imaginário de viadutos. Vou tentar, Henrique. Ah, e por favor, não me cobre estacionamento na próxima sessão!
Leia aqui a 1a sessão de terapia : Cidade Diva No Divã: São Paulo Na Terapia - O Serrano