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Jornalista, artista visual e musicista. Atualmente, é editora do Jornal O Serrano e escreve sobre cultura no Expresso.
Essa semana, ouvindo Gismonti, me deparei com uma música que exprime toda a sua sensibilidade. Trata-se de uma descrição singela do cotidiano, de pessoas que passam em uma praça sem enxergar – e, consequentemente, sem manifestar – a poesia contida em si. Para o observador, com seu olhar de profundo amor sobre todas as coisas, isso é motivo para um lamento.
Na canção, Gismonti descreve um cenário: um velho passa pela praça, alheio ao ambiente. A falta de casais apaixonados torna o lugar triste. Uma mulher vaidosa desfila com sua sombrinha. Crianças brincam sobre o jardim, sem perceber o estrago. O guarda que vela a praça pensa apenas no salário do fim do mês. E a repetição dessa rotina esgota as lágrimas de quem observa com um olhar sensível.
A praça é como um microcosmo da vida. O eu lírico percebe um vazio emocional: a ausência generalizada de amor.
A música, chamada ‘Um Dia’, faz parte do álbum homônimo ‘Egberto Gismonti’, lançado em 1969. Recomendo a escuta.
Falando um pouco sobre sua figura, Gismonti é um compositor, multi-instrumentista e arranjador. Nascido em Carmo, no Rio de Janeiro, em 1947, ele começou a estudar música ainda criança. Seu talento precoce o levou a estudar na França, onde foi aluno de mestres como Nadia Boulanger e Jean Barraqué. No entanto, foi o retorno ao Brasil que realmente moldou sua identidade musical. Inspirado pela diversidade cultural do país, Gismonti começou a explorar elementos de diferentes tradições musicais brasileiras, como o choro, a bossa nova, o frevo, o samba e a música indígena.
Além de uma bela discografia, ele também colaborou com diversos outros músicos geniais, como Hermeto Pascoal, Naná Vasconcelos, Charlie Haden e Jan Garbarek.
Nesta semana, inspirada pela música ‘Um Dia’, trago um pouco do que enxergo sobre o trabalho de Gismonti. Abaixo, deixo a letra completa e o link da canção para quem quiser ouvir.
Entre a genialidade e a experiência musical, é inegável que o mais encantador em Gismonti é a sua própria sensibilidade.
Dessa vez era um velho que passava
Como os outros, parecia não ligar
Para a praça com jardins sem namorados
E por isso só eu vou chorar
Junto ao tempo quase lento eu vi passando
A senhora de sombrinha sem poesia
Desfilava em toda a praça vaidade
E por isso só eu vou chorar
Junto a uma garotada
Veio um que só brincava de correr sobre o jardim
Fiz não ver tanta maldade
O menino nem idade tinha pra compreender
Nessa hora sem demora
Veio um guarda pondo fora
A garotada do vai-vem
Dói bem mais pensar que o guarda
Guarda a praça com cuidado
Só esperando o fim do mês
Dessa vez veio a menina
Cachos loiros, laço e renda
Desviando meu olhar
O velho passando com a senhora
O guarda atrás da meninada
Não há mais o que chorar
Na verdade não é a praça,
velha ou velho, meninada
É o amor, amor.
Egberto Gismonti
Escute a música, clicando aqui.